De repente, um cinema de estrutura surgiu. A evolução dominante do cinema de vanguarda americano (e de outros países) tem sido a de buscar formas progressivamente complexas; portanto, essa mudança de ritmo é inesperada e difícil de explicar. Dois pontos exigem clareza imediata: primeiro, qual é a tendência em direção a formas complexas? E, segundo, como o cinema estrutural é diferente? Uma visão em perspectiva do cinema independente nos últimos vinte anos e, talvez mais precisamente, no trabalho daqueles artistas individuais que estão fora do "cinema patrocinado" há mais de uma década, mostrará o desenvolvimento de uma linguagem cinematográfica de conjunção, na qual diversas vertentes de temas são montadas juntas, ou uma linguagem de metáfora, por meio da qual se aproveita ao máximo o material limitado. Aqueles que viram todo o trabalho de Brakhage, Markopoulos, Kubelka e Anger, por exemplo, compreenderão imediatamente o conceito de uma “evolução das formas” ao contrastar Reflections on Black (1955) com The Art of Vision (1960-65), Swain (1951) com The Illiac Passion (1964-66), Mosaic in Confidence (1955) com Unsere Afrikareise (1966), ou Eaux D'Artifice (1953) com Scorpio Rising (1963). Em cada um desses filmes, tanto os mais antigos quanto os mais recentes, o cineasta procura fazer com que elementos díspares se associem e criem uma arquitetura cinematográfica; no entanto, nos exemplos mais recentes, os temas (dentro de cada filme) são mais variados e o total é mais compacto.
Nos últimos cinco anos, porém, surgiram vários cineastas cuja abordagem é bem diferente, embora esteja definitivamente relacionada à sensibilidade dos que foram listados acima: Tony Conrad, George Landow, Michael Snow, Hollis Frampton, Joyce Wieland, Ernie Gehr e Paul Sharits produziram diversos filmes notáveis, aparentemente na direção oposta da tendência formal. O cinema deles é baseado em um cinema de estrutura, onde a forma do filme é predeterminada e simplificada, e é justamente essa forma que é a impressão primordial do filme.
Uma definição precisa da diferença entre forma e estrutura deve abranger um sentido do processo do trabalho; pois o filme formal é um vínculo estreito de conteúdo, uma forma projetada para explorar as facetas do material; o próprio título do primeiro filme de Kubelka, Mosaic, é uma expressão dessa aspiração consciente. Recorrências, antíteses e ritmo geral são os elementos do formal; em essência, um filme cujo conteúdo é, em sua raiz, um mito. Nesta revista[1], Kubelka, Markopoulos, Brakhage e, em menor escala, Anger, discutiram processos de criação que têm em comum o exame minucioso do material bruto fotografado para que a forma final seja revelada; a fé deles tem sido na edição. Excluo aqui, é claro, alguns filmes recentes de Brakhage e Markopolos feitos completamente com a câmera.
O filme estrutural insiste em sua forma, e o conteúdo que ele tem é mínimo e subsidiário ao traçado. Isso fica mais claro em The Flicker (1965), de Tony Conrad, e Ray Gun Virus (1966), de Paul Sharits, em que a cintilação de sólidos de quadro único — no primeiro caso, em preto e branco, no segundo, em cores — é o espaço total.
Quatro características do filme estrutural são: uma posição fixa da câmera (um quadro fixo do ponto de vista do espectador), o efeito de flicker, a impressão em loop (a repetição imediata de planos, de forma exata e sem variação) e a refotografia a partir de uma tela. Raramente se encontram todas as quatro características em um único filme, e há filmes estruturais que evitam esses elementos usuais.
ORIGENS
Encontramos as origens das três primeiras características predominantes do cinema estrutural na história imediata do cinema de vanguarda. Encontramos as fontes das três primeiras características predominantes do cinema estrutural na história imediata do filme de vanguarda. Andy Warhol tornou famoso o quadro fixo com seu primeiro filme, Sleep (1963), no qual meia dúzia de planos são vistos por mais de seis horas. Seus filmes, um pouco mais tarde, se apegam ainda mais ferozmente à perspectiva única e sem cortes: Eat (1963), quarenta e cinco minutos comendo um cogumelo; Harlot (1965), um tableau vivant de oitenta minutos com comentários fora da tela; Beauty #2 (1965), uma cena de cama com falantes dentro e fora da tela durante noventa minutos. Assim, Warhol é uma das duas maiores inspirações dos estruturalistas (ele até usou a impressão em loop em Sleep, embora Bruce Conner tivesse feito isso de forma mais ultrajante em Report, de 1964, meses antes). No entanto, Warhol, como artista pop, está espiritualmente no polo oposto dos estruturalistas. Sua câmera fixa foi inicialmente um ultraje, posteriormente uma ironia, até que seu conteúdo se tornou atraente demais e ele abandonou a imagem fixa por uma espécie de edição na câmera. No trabalho de Ernie Gehr ou Michael Snow, a câmera é fixada na contemplação mística de uma porção do espaço. Espiritualmente, a diferença entre esses polos não pode ser conciliada. De fato, a antítese do filme estrutural em relação ao filme pop (Warhol, basicamente) é precisamente a diferença entre a pintura ou escultura pop e minimalista, em que a última cresce a partir da primeira e contra ela. Aqui a analogia deve cessar, porque as principais psicologias do cinema estrutural e da arte minimalista geralmente não são comparáveis.
O segundo antepassado do cinema estrutural é Peter Kubelka, que fez o primeiro flicker film[2], Arnulf Rainer, em 1960, e no qual foi pioneiro em grande parte do campo para os estruturalistas com seus filmes minimalistas anteriores Adebar (1957) e Schwechater (1958). Não se pode realmente descrever Kubelka como um cineasta associado à tendência estrutural emergente recentemente por vários motivos: como austríaco que criou seus filmes em um vácuo relativo (viu e se interessou somente por um pouco além do trabalho de Dreyer até o final de sua carreira), ele estaria alheio ao clima e à mentalidade dos outros; ele está no meio de sua carreira, enquanto os outros, em sua maioria, são iniciantes; e o rumo de seu trabalho parece estar se afastando do estrutural para formas mais complexas.
Ken Kelman sugeriu-me que a sensibilidade dos estruturalistas deriva da estética de Brakhage. É verdade até certo ponto — Brakhage, mais que qualquer outro, enfatizou por escrito a importância essencial de um cinema visual —, mas seus filmes, com uma exceção muito recente que discutirei, eram mais rítmicos do que estáticos. Em realidade, se quisermos buscar uma sensibilidade pioneira para o cinema estrutural, ela seria a de Robert Breer, que literalmente fundou o cinema de velocidade, dominado por um único quadro, no início da década de 1950.
O efeito de todo o trabalho de Breer é cinético, em oposição à qualidade estática do cinema estrutural. No entanto, seu trabalho é o precursor histórico de Arnulf Rainer, de Kubelka, e, consequentemente, um elo importante na pré-história de nosso tema.
[A publicação inicial deste artigo trouxe-me críticas consideráveis, especialmente com relação à consideração acima sobre “origens”. Peter Kubelka se considera tanto o criador quanto o mestre da tendência estrutural, observando que ele empregou vários tipos de loops em Schwechater e inventou o filme flicker com Arnulf Rainer. Tipicamente, ele se recusa a acreditar que nem Conrad nem Sharits tenham visto ou sequer ouvido falar de seu filme antes de fazer o deles.
George Maciunas, do Fluxus, também contestou minha acurácia histórica. Sua refutação ao artigo, na forma de um gráfico, pode ser encontrada no final deste ensaio. Tal como Kubelka, seu argumento vem de uma leitura equivocada de minhas intenções. Nestas páginas, tentei definir e descrever uma tendência predominante dentro do cinema de vanguarda. Ao discutir suas origens, fui a posteriori para a pré-história imediata tanto das formas quanto da sensibilidade em consideração. Naturalmente, é possível ir cada vez mais longe na história do cinema para descobrir precursores: o Anémic cinéma, de Marcel Duchamp, um estudo de suas espirais rotativas com palavras impressas nelas, pode-se dizer que é um ancestral distante de 1926; inclusive o estilo de Lumière, da virada do século, com movimentos compostos e aleatórios para dentro e para fora de um único quadro fixo, implica uma extensão para o estrutural.
O fato é que os modelos que Maciunas cita não tiveram influência mais ativa no emergir repentino e onipresente do cinema estrutural que o trabalho de Duchamp e Lumière. Ele está com razão quando afirma que esse desenvolvimento surgiu a partir de outras artes, porém essa evolução nunca esteve no escopo deste ensaio.
Sou grato a Kubelka e Maciunas pela oportunidade de esclarecer meu argumento. É infortúnio que os filmes que estou discutindo sejam confundidos com formatos “simples” ou “arte conceitual”. É exatamente quando o material se torna multifacetado e complexo, sem desviar a atenção da clareza da forma geral, que esses filmes se tornam interessantes.
Durante anos, os cineastas-estetas equipararam a poesia à condensação. Nenhum quadro deve vir a ser “desperdiçado” (Kubelka continua dizendo isso). Os filmes dos quais estou mencionando são extensos em vez de comprimidos, estáticos em vez de rítmicos. Nos filmes de Markopoulos, Brakhage (exceto os incluídos aqui), Kubelka e Anger, as informações chegam tão rapidamente que o tempo é condensado, se não obliterado. Snow, Sharits, Wieland, Landow, Frampton e outros alongam seus filmes para que o tempo se torne um participante ativo e incisivo na experiência do espectador. Essa é uma mudança radical de tática estética. Nenhuma sobreposição de mecanismos ou processos pode reconciliá-la].
EXEMPLOS
O filme estrutural tem aparecido em filmografias onde não era previsível. Se não fosse pelos três curtas-metragens de Bruce Baillie, Gammelion (1968) de Gregory Markopoulos e Song 27, My Mountain (1968) de Stan Brakhage, poderíamos argumentar a favor de uma ligação casual entre os novos cineastas dessa área do cinema. Essas cinco obras, todas de artistas em meio de carreira, indicam o surgimento de uma atitude coletiva geral. Suas causas e seu significado são obscuros.
Talvez a forma poética tenha se sofisticado tanto nas complexas obras de Markopoulos, Brakhage, Anger, Kubelka e outros (pois, certamente, suas formas se aproximaram mais dos elementos da poesia neste século do que de qualquer outra arte) que esses cineastas desejavam uma nova investigação da imagem pura e do ritmo puro; ou, em outras palavras, eles buscavam incorporar a estética da pintura e da música (anteriormente o domínio dos cineastas de animação). Não é por acaso que Snow, Landow e Wieland também são pintores; Conrad, um músico.
Filmes, em sua simplicidade, são fáceis de descrever.
Bruce Baillie fez seus três filmes estruturais aproximadamente na mesma época (1966-67). Show Leader tem uma tomada em preto e branco do cineasta nu lavando-se em um riacho. Com a trilha sonora, ele apresenta-se ao público. Sua intenção foi usar esse filme como epílogo ou introdução para exposições individuais de suas obras e, em tais ocasiões, ele o apresenta sem locação. A filmagem e o som são impressos em loop para estender alguns segundos em alguns minutos. Esse despretensioso e simpático filme representa o cinema estrutural em sua forma mais casual.
All My Life é um filme de plano único e Still Life, a composição estrutural mais sofisticada de Baillie, é um filme de plano único com imagem fixa. O primeiro é uma tomada panorâmica colorida que atravessa uma cerca com rosas e, em seguida, sobe até o céu e os fios telefônicos. Dura o tempo que Ella Fitzgerald exige para cantar “All My Life” na trilha sonora.
O título revela Still Life: uma imagem fixa de um arranjo floral, um cinzeiro e objetos sobre uma mesa; além da mesa, fora de foco, um cômodo com janelas. Parece haver figuras no fundo distante: possivelmente são os homens cujas vozes ouvimos no som, falando de Ramakrishna e aparentemente discutindo uma série de fotografias de templos na Índia. No segundo plano imediato do campo, logo após a mesa, uma figura feminina cruza a tela e retorna mais tarde. Seu traje é rico e elusivo.
Existe uma metafísica da ironia; e a minimalização severa de Robert Indiana em um chapéu de feltro idiota que leva quarenta e cinco minutos para petiscar um cogumelo a evoca, especialmente quando a câmera não se move. Esse é o Eat, de Warhol, um bom exemplo de cinema "deadpan". Still Life é um filme mais doce; o humor está lá, uma forma particular de zen screwball nativa da Califórnia modernosa, mas também há uma devoção autêntica à apoteose do espaço, aquele enquadrado no escopo da câmera.
O evidente princípio desse filme (e de alguns outros que discutiremos aqui, notadamente Wavelength, de Michael Snow) é que a ação ou o evento é uma função do espaço dado. Não é o arranjo floral que nos excita em Still Life, porém todo o campo de ação — os homens que falam, a forma feminina que transita, as flores e o cinzeiro como constantes — constitui uma única experiência. Ademais, a concentração consciente em um quadrante fixo do espaço implica uma dualidade consciente do campo — o que acontece, ocorre dentro ou fora da moldura.
Mais uma vez, Warhol explorou esse espaço binário, em tom de brincadeira, em Blow Job (1964), em que o campo do quadro, a cabeça do sujeito, é obviamente apenas o campo de eco para a ação do título. Em Beauty #2, um ator fora da tela provoca Edie Sedgwick e seu amante, vistos na cama. A ideia da ação fora da tela como foco de interesse é sem dúvida anterior a Warhol. Stan Brakhage percebeu e apontou pela primeira vez que a principal invenção de Jerry Joffen, cujo filme indescritível e interminável raramente é visto, era justamente a sugestão de ação significativa fora do campo da câmera. O próprio Brakhage utilizou esse princípio em Song 6 (1964), uma antecipação do filme estrutural, em que uma mariposa é exposta morrendo contra o padrão floral de um piso de linóleo. Às vezes, ela está no centro da tela, no entanto, mais frequentemente em um canto ou fora da tela. Como a mariposa está próxima ao chão, há pouca noção de espaço. O linóleo é mais um pano de fundo, que se torna metaforicamente uma imagem do véu da morte devido à minimalização da ação essencial — a morte da mariposa.
A importância de Still Life e dos filmes estruturais semelhantes é que a câmera fixa eletrifica um espaço, revelando-o por si só (não como uma metáfora, como em Brakhage ou Joffen, ou como um olhar lateral recatado, como em Warhol). No contexto da produção de Baillie, os filmes estruturais podem ser vistos como um desdobramento da forma japonesa do haicai, uma sensibilidade experimentada anteriormente por ele com Mr. Hayashi (1961), o retrato de um jardineiro japonês, e com Tung (1966), o retrato negativo da “sombra” de uma garota caminhando. Se a essência do haicai é a união de duas imagens em um modo sintético, então, em Still Life e All My Life, Baillie alcançou a forma, com a união de imagem e som em uma estrutura elementar.
Para prosseguir, devo aludir novamente a um antecedente técnico no trabalho de Warhol: a câmera movendo-se livremente dentro dos limites de um tripé fixo (movimentos direita-esquerda, cima-baixo) e uma lente zoom (movimento dentro-fora). Essa também é uma manifestação do espaço fixo em um nível mais complexo. Vimos isso pela primeira vez em Poor Little Rich Girl (1965) e enfaticamente no episódio de Marie Menken em The Chelsea Girls (1965). Quando o tripé é fixo e a câmera se movimenta, ainda há uma sensação de espaço minimalizado, menos sólido do que na imagem fixa, mas mais ou menos sentido. All My Life é uma tomada panorâmica ou de travelling, contudo, sua monotonia estrutural é aparente.
Michael Snow utiliza a tensão do quadro fixo e um pouco da flexibilidade do tripé fixo em Wavelength. Na verdade, trata-se de um zoom para frente durante quarenta e cinco minutos, interrompido ocasionalmente e fixado durante vários momentos diferentes, de modo que o dia transforma-se em noite durante o movimento.
Uma persistente polaridade modela o filme. Ao longo do filme, há uma exploração da sala, um longo estúdio, como um âmbito de espaço, sujeito aos eventos arbitrários do mundo exterior, desde que o zoom seja recessivo o suficiente para ver as janelas e, portanto, a rua. A sala, durante o dia, à noite, em diferentes tipos de filme para tonalidade de cor, com filtros e até mesmo ocasionalmente em negativo, está gradualmente fechando seu espaço à medida que o zoom se aproxima da parede e da imagem final de uma fotografia sobre ela — uma imagem de ondas. Esta é a história da diminuição da área de pura potencialidade. A percepção do espaço e, implicitamente, do cinema como potencial, é um axioma do filme estrutural.
Portanto, temos sempre a sala como o reino da possibilidade. Polar a isto está uma série de eventos cuja atualidade é enfatizada por uma interrupção da trilha sonora de ondas senoidais com som sincronizado simples. A ordenação dos eventos é progressiva e inter-relacionada: uma estante de livros é movida para a sala, duas garotas estão ouvindo rádio; até agora, estamos no início do filme, no cine-manhã, a ação parece aleatória; no decorrer, um homem sobe as escadas (é o que ouvimos) e cambaleia até o chão, mas a lente já atravessou metade da sala e ele é apenas vislumbrado, a imagem passa por cima dele. No fim, à noite, uma das garotas da rádio retorna, vai até o telefone, que, por estar na parede dos fundos, fica à vista de todos, e em um momento dramático de atuação incomum no cinema de vanguarda, telefona para um homem, Richard, para lhe dizer que há um cadáver na sala. Ela insiste que ele não aparenta estar bêbado, mas sim morto, e diz que vai encontrá-lo lá embaixo. Ela sai. A chamada faz uma história dos eventos anteriormente aleatórios. Caso o filme tivesse terminado aqui, a atualidade da potente imagem da morte teria satisfeito toda a energia potencial acumulada anteriormente; mas Snow prefere uma visão mais profunda. O que vemos é um eco visual, um fantasma em sobreposição negativa da garota realizando a ligação telefônica, e o zoom continua, à medida que o som fica mais agudo, até a imagem final do mar estático preso à parede, uma metáfora cumulativa para toda a experiência da ilusão dimensional do espaço aberto. A diferença crucial entre a forma de Song 6 de Brakhage e esse filme é que Song, fiel à forma de canção, é puramente a invocação de uma metáfora, enquanto Wavelength emprega uma metáfora como o final de uma estrutura elaborada, porém simples, cujas coordenadas são uma sala e um zoom.
[É perceptível em um filme anterior de Snow, New York Eye and Ear control (1964), as raízes conceituais de Wavelength (1967) e Back and Forth (1969), seu mais recente trabalho longo. Inúmeras dualidades dão coesão ao filme: a figura recortada de The Walking Woman (uma imagem obsessiva de suas pinturas e esculturas), ora branca, ora em preto, é recorrente durante todo o filme, composto por duas partes diferentes. Na primeira metade, os recortes planos contradizem os espaços profundos das paisagens, cenários rochosos e marinhos nos quais são colocados. A segunda metade ocorre no interior da casa, em um pequeno espaço sem orientação, onde o preto (preto e branco) posa em relação aos recortes e seus moldes negativos.
New York Eye and Ear Control sugere uma declinação de ideias, de preto e branco, plano e redondo, estase e ebulição, silêncio e som; mas (apesar da descrição articulada do cineasta sobre toda a construção, em nossas conversas) é arquitetonicamente ingênuo. A fraqueza principal de Snow aqui se torna a força central de seu trabalho posterior: a visão de uma situação simples penetrada por um campo ou uma rica implicação filosófica, que a duração elabora]. Como em Song 6, de Brakhage, trata-se de uma metáfora epistemológica. Particularmente interessante é o fato de que, como Fleming Faloon (1963), de Landow, que descreverei em breve, trata-se de uma primeira tentativa de fazer um filme estrutural pelo cineasta que mais tarde alcançou essa forma, ainda antes do surgimento da forma.
[Snow classifica a principal contribuição histórica de New York Eye and Ear Control como seu confronto direto com a resistência estética. Se essa foi a sua intenção, ele foi melhor sucedido em um filme posterior, One Second in Montreal (1969), no qual mais de trinta fotografias de parques forrados de neve são exibidas na tela por períodos bastante longos. A forma do filme é um crescendo-diminuendo de resistência — enquanto a primeira foto é mantida por muito tempo, a segunda fica por ainda mais tempo, e assim por diante até o meio do filme, quando as medidas começam a encurtar.
O fato central de Back and Forth (1969) é a velocidade. A câmera em movimento perpétuo, esquerda-direita, direita-esquerda, atravessa uma série de “eventos” que se tornam metáforas em carne e osso para a inflexão para-frente-e-para-trás da câmera (passar uma bola, o movimento dos olhos na leitura, lavar janelas e assim por diante). Tais eventos sugerem os elementos da dança contemporânea (Yvonne Rainer e outros). Cada atividade é uma unidade rítmica, fechada em si mesma e unida à atividade subsequente somente pelo fato de ocorrerem no mesmo espaço. Fornecem uma escala viva para as velocidades de movimento da câmera e formas sólidas no campo de energia que a panorâmica extrai do espaço.
A panorâmica incessante da câmera cria um tempo aparente em conflito com o tempo de qualquer operação. Na coda do filme, uma recapitulação de todos os eventos, independentemente de sua ordem original e em sobreposição múltipla, as ilusões de tempo se dissolvem em uma imagem de continuidade atemporal.
O evidente ritmo de Back and Forth deriva da velocidade com que a câmera se move de um lado para o outro, ou para cima e para baixo. Da mesma forma, o drama evidente de Wavelength deriva do fechamento do espaço, da ação da lente zoom. O conteúdo específico de ambos os filmes é o espaço vazio, os cômodos. É a natureza e a estrutura dos eventos dentro dos cômodos que distinguem os modos dos filmes].
Um conjunto de filmes de Ernie Gehr, Wait e Moments[3] (1968), trabalha em uma área semelhante à de Wavelength a um nível simplificado. Ambos são estruturas de tripé fixo e zoom, mas os movimentos de zoom são “staccato”[4] e não são os princípios organizacionais básicos dos filmes. São estruturados em variações rítmicas da exposição dos filmes a fontes de luz fixas. Em Wait, a fonte é uma lâmpada suspensa, o que dá ao filme uma série de intensidades dominantes em vermelho. Um casal está lendo em um quarto. Não há som.
Em Moments é outro interior: um quarto onde há um gato e aparentemente alguém na cama; no entanto, a fonte de luz é uma janela externa, em cuja imagem é possível visualizar uma paisagem de fogo quando a exposição é muito baixa. Os tons são azulados, e novamente não há som.
Brakhage, é claro, usou variações na exposição como elementos formais de um filme, contudo, até onde sei, Gehr merece o crédito por usar pela primeira vez as diferenças de exposição como material principal de um filme inteiro e por compor com os f-stops como um instrumento rítmico.
[No ano de 1969, Gehr fez Reverberation filmando a partir de uma tela ou de um dispositivo de impressão óptica onde seu material original fora projetado. Não acontece coisa alguma no filme. Um casal está na rua, posando. Por meio de uma redução à câmera lenta e do achatamento do espaço pela fotografia de segunda geração, a imagem dá risadas, pulsa e quase respira uma luz branca brilhante. A instabilidade da imagem e as variações nervosas da intensidade da luz tornam-se o tema.
Gehr não foi o primeiro dos estruturalistas a utilizar a fotografia a partir de uma tela de maneira formalista. Landow havia feito isso um ano antes em The Film that Rises to the Surface of Clarified Butter. Todavia, foi provavelmente de Ken Jacobs que Gehr recebeu sua inspiração nessa direção. Há muito tempo, Jacobs vinha trabalhando em um longa-metragem que envolvia fotografia a partir de uma tela, Tom, Tom, The Piper's Son, o qual foi exibido em várias versões, a última das quais, em 1969, parece ser definitiva.
Tom, Tom tem início e fim com um filme antigo, produzido nos Estados Unidos nos primeiros anos do século, com o mesmo título, citado integralmente nas duas ocasiões. Durante cerca de setenta minutos (o original dura cerca de dez minutos), Jacobs nos dá suas variantes sobre as imagens e os movimentos desse filme. Seu Tom, Tom, ao contrário do original, tem uma textura pontilhista granulada (um resultado inevitável de filmar em uma tela ou impressora óptica caseira, utilizada gloriosamente por ele) e uma profundidade de espaço comprimida. Na transposição, alterou o tempo do original com a câmera lenta, a escala com closes de detalhes de fundo, a sequência com repetições e movimentos para trás e, sobretudo, a cinese, retardando radicalmente a narrativa do original. Aqui, o princípio de alongamento em vez de condensação — o ponto crucial estético do filme estrutural — encontra sua demonstração mais clara. É como se o filme pretendesse provar de uma vez por todas os postulados da crítica formalista russa, onde a teoria do cinema estrutural tem suas origens históricas. Viktor Shklovsky escreve em A arte como procedimento (1917):
"Encontramos em toda parte a marca registrada artística — ou seja, encontramos material obviamente criado para remover o automatismo da percepção; o propósito do autor é criar a visão que resulta dessa percepção desautomatizada. Uma obra é criada “artisticamente” de modo que sua percepção seja impedida e o maior efeito possível seja produzido por meio da lentidão da percepção."
e também
O filme de Jacobs é didático em uma tradição especificamente modernista. Em primeiro lugar, é uma crítica cinematográfica sublime, revelando a complexidade do original ao literalmente transfigurá-lo. Stravinsky fez o mesmo com Pergolesi; Robert Duncan “colocou a Arethusa de Shelley em novas proporções”. Além disso, Jacobs revelou um nexo de composição e imagens, latente no filme, similar a Seurat e Manet. Vemos um sensual equilibrista girando um aro em câmera lenta, um corcunda rolando sobre si mesmo, uma multidão caindo, um por um, devagar como melaço, de um celeiro e, quase flutuando, em um palheiro. Há também insinuações dos arlequins de Picasso.
Devido à franqueza do mecanismo empregado, Tom, Tom deve ser considerado dentro da sensibilidade estrutural, apesar da tendência de Jacobs de romper as formas de todos os seus filmes. Entre as duas versões que assisti, havia uma diferença marcante de arquitetura. Ambas violaram com sucesso a simetria ao anexar uma série de detalhes em câmera lenta após a segunda apresentação do filme original.
A versão mais recente, entretanto, tem inserções coloridas de um jogo de sombras, que violenta a continuidade do filme em preto e branco. Visualmente, são relaxantes (assim Jacobs descreve sua função), porém, estruturalmente, são extremamente desorientadoras. Mais condizente com a textura do filme, mas ainda assim digressivo, existe uma passagem na versão mais recente em que o cineasta literalmente levanta a tela da qual o filme está sendo “copiado”, e somos confrontados com um flicker da lâmpada nua do projetor, situada atrás da tela. Desde que Jacobs passou a produzir filmes, ele tem sido obcecado pela noção de uma forma que se decompõe e recomeça de forma titubeante. Seus primeiros longas-metragens, Star Spangled to Death (iniciado no início dos anos 1950 e ainda incompleto) e Blonde Cobra (1963), têm arquiteturas extremamente excêntricas.
Previamente de Tom, Tom, ou ao mesmo tempo, Jacobs rodou Soft Rain, uma única tomada longa, de uma posição fixa, exibida três vezes seguidas. O filme examina o exterior de uma janela com a cortina meio recolhida (ou um dispositivo de máscara preta perto da câmera) na parte superior de uma loja plana e uma rua durante uma chuva leve. A chuva é tão leve que frequentemente é necessário mais de um ciclo da tomada para que o espectador perceba a chuva. Igualmente, a sombra (ou máscara) está posicionada de forma tão ambígua na profundidade do campo que sua extrema proximidade com a câmera não é imediatamente aparente. Talvez o sucesso de tal estrutura simples esteja relacionado à relativa simplicidade da forma em que ele deixou Tom, Tom, mesmo em sua versão mais recente.
Em contraste com as possibilidades oferecidas pelos materiais, tal simplicidade torna-se ainda mais evidente. Vi o filme pela primeira vez com Parker Tyler, o qual sugeriu que seria mais “misterioso” (uma presença ritualística que ele admira muito nos filmes) se o original não fosse exibido. Em certos momentos durante a projeção, considerei a possibilidade de reestruturar a sequência e, portanto, a causalidade dos estados do original. Se qualquer uma dessas possibilidades tivesse sido empregada, o resultado provavelmente não teria sido considerado no contexto deste artigo].
Joyce Wieland, esposa de Michael Snow, tem utilizado efeitos de loop para pelo menos dois tipos de estrutura. Em Sailboat (1968), o loop[5] dá a ilusão de movimento contínuo à medida que um barco navega da esquerda para a direita da tela repetidamente; em 1933 (1967), uma única tomada de uma rua a partir de uma janela alta com pessoas correndo em ritmo acelerado e diminuindo a velocidade para o ritmo normal (sem mudança de tomadas) é vista cerca de uma dúzia de vezes. Ocasionalmente, o título, 1933, é impresso sobre toda a tomada e, entre cada conjunto de repetições, há um espaço em branco borrado por diferentes flashes vermelhos.
De todos os cineastas incluídos neste artigo, Wieland está mais próximo de Andy Warhol e da mentalidade do filme pop. Em Sailboat, o princípio estrutural é claramente irônico, ao passo que 1933 é um filme estrutural puro e bastante misterioso. Em Catfood (1968), ela exibe um gato devorando peixe após peixe por cerca de dez minutos. Parece não haver repetição de cenas, porém as imagens são tão consistentes durante todo o tempo — foto do peixe, o gato comendo, sua pata arranhando, outro peixe, o gato comendo e assim por diante — a ponto de ser possível que as cenas sejam recorrentes.
[Seu último filme, Reason Over Passion (1969), é o de maior impacto. Uma descrição do plano do filme, seu argumento, sugere uma forma épica, pois ela tentou nada menos que cruzar o Canadá de oceano a oceano, filmando. No meio de tudo isso, um retrato de Trudeau, o primeiro-ministro (o título é uma frase de um de seus discursos), interrompe a jornada. A imagem dele possui a mesma redução ao granular como as impressões ópticas ou o fora-da-tela de Gehr, Jacobs e outros. A palavra “épico” não se aplicaria à experiência momento a momento do filme, que é de alongamento agressivo pontuado por uma leve tristeza. Ela não glorifica a terra, de fato, parece lamentar por ela. O título do filme é sobreposto às paisagens que transitam, na forma de um anagrama, que muda continuamente (um computador fez as permutações), um símile da mesmice variante das tomadas].
Tive a oportunidade de mencionar o trabalho de Stan Brakhage diversas vezes nestas páginas e de destacar seu Song 6. O mais próximo que ele chegou de um filme estrutural foi seu recente Song 27, My Mountain. Destacar qualquer Song como um organismo formal é ignorar a complexa forma geral emergente de Songs como um único filme caseiro em série, no qual algumas imagens e muitos temas repetem-se esporadicamente. Então, excluindo a coda chamada Rivers, Song 27, My Mountain estuda o pico de uma montanha por trinta minutos, sob alguns ângulos diferentes, incluindo imagens de nuvens e um arco-íris.
De que forma esse é um filme estrutural? As notas que elucidei até agora descrevem um método de construção baseado em imagem fixa, impressão em loop e pequenas variações disso, e prometi discutir o flicker film. A minimalização da técnica acompanha a minimalização da imagem em casos como esse, o que não é estritamente o caso da "Song da montanha" de Brakhage.
A concentração extrema no filme de Brakhage sobre a montanha como energia durável — sobrevive a várias estações, emerge persistentemente de nuvens devoradoras — gera um tipo de tensão e um senso de potencialidade comparáveis aos filmes estruturais mais dinâmicos, Wavelength, Bardo Follies (1966) de Landow, Gammelion (1968) de Markopoulos e N:O:T:H:I:N:G (1968) de Sharits. O espaço de uma montanha, de uma arrogante jovem Rockie[6], não é o de um quarto. Harry Smith propôs certa vez que Warhol filmasse o Monte Fuji com sua câmera fixa. O gesto teria sido irônico e fiel à visão de mundo de Warhol: uma diminuição da energia do sujeito. Brakhage demonstrou sua genialidade novamente ao mover as posições da câmera, permitindo que as estações alterassem-se e, assim, encontrando a estrutura que manteria o terror de um campo tão grande quanto uma montanha.
Em suas palestras recentes, ele falou sobre a crescente influência dos pintores holandeses e flamengos em seu senso de composição e observou, especialmente em Van Eyck, uma consciência de movimentos sutis na borda do quadro. Apropriadamente, em Song 27, My Mountain, a tensão gerada facilmente por uma única tomada ao longo de trinta minutos é sustentada por vários planos por meio de uma coordenação cuidadosa dos movimentos minuciosos nos cantos da tela. Ele não usou um tripé, mas se aproximou da quietude do tripé para tornar essas pequenas excursões mais enfáticas. Com isso, ele mantém a unidade da imagem, tematicamente, e reafirma o espaço do quadro do filme. A unidade sintética dessas forças é sua estrutura.
O mais devoto dos cineastas estruturais e, talvez, o mais sublime é George Landow. Seu primeiro filme, Fleming Faloon (1963), é um precursor da tendência estrutural, apesar de não ter sido plenamente alcançado. O tema de um discurso direto está no centro de sua construção: começando com dois seios recitando “Around the world in eighty minutes” (A volta ao mundo em oitenta minutos), cortes de um apresentador de telejornal e imagem sobre imagem de um rosto fixo, às vezes em tela cheia, às vezes a parte de trás de uma câmera móvel, sobreposta a si mesma, às vezes dividida em quatro imagens (fotografia não dividida de 8mm, na qual dois conjuntos de duas imagens consecutivas aparecem no quadro de 16mm), televisões, televisões espelhadas e filmes sobrepostos são intercalados. Embora eu tenha visto o filme várias vezes, nunca consegui encontrar um princípio estrutural após a abertura, que Landow chamou de prelúdio. Fleming Faloon é simplesmente uma série de imagens relacionadas.
A sensibilidade que criou Fleming Faloon, um cineasta mais do que qualquer outro não-animador dedicado ao cinema de tela plana, à pintura granulada em movimento, é a força primária no filme estrutural. Talvez ele a tenha inventado quando fez Film in which there appear sprocket holes, edge lettering, dirt particles, etc. Ele derivou sua imagem de um filme de teste comercial, originalmente nada mais do que uma garota olhando para a câmera, um piscar de olhos é o único movimento, com um espectro de cores primárias ao seu lado.
Landow fez com que a imagem fosse reprojetada de modo que a garota e o espectro ocupassem apenas metade do quadro, sendo a outra metade composta por p, adornadas com letras nas bordas que mudam rapidamente e, na extremidade direita da tela, metade da cabeça da garota novamente.
Landow estreou esse filme em loop na Film-Makers Cinematheque, chamando-o de This film will be interrupted after ten minutes by a commercial. Fiel ao título, o filme foi interrompido com uma interrupção em 8mm da obra “Town Council” de Rembrandt, reproduzida pela Dutch Master Cigars. Um risco verde exuberante atravessou a emenda do loop, o que lhe deu uma tonalidade especial durante essa única apresentação, já que apenas isso identificava o ciclo do loop e contrastava com o tom vermelho da imagem.
Quando o loop, sem o comercial, foi produzido para se tornar Film in which, etc., Landow instruiu o laboratório a não limpar a sujeira do filme, mas a fazer uma emenda limpa que ocultasse as repetições. O filme resultante, um objeto encontrado estendido a uma estrutura simples, é a essência de um cinema minimalista. O rosto da garota é estático, talvez um piscar de olhos seja vislumbrado; as perfurações não se movem, mas oscilam levemente à medida que o sistema de letras de borda cintila ao redor delas. No fundo do filme, a sujeira começa a formar padrões de tempo, e o filme termina.
Há uma versão deste filme em duas telas, projetada sem nenhuma linha separando os dois painéis e com as imagens da direita invertidas, de modo que uma garota sintética, com dois lados esquerdos do rosto, seja evocada entre os dois painéis de garotas.
Bardo Follies (1966), o filme mais sofisticado de Landow, descreve um tipo de meditação análoga ao Bardo Thodöl. O filme começa com uma imagem reproduzida em loop de uma flotilha de água carregando uma mulher que acena para nós a cada volta do loop. Após cerca de dez minutos (há também uma versão mais curta), o mesmo loop aparece duplicado em um conjunto de círculos contra a tela preta. Em seguida, há três círculos por um instante. A imagem do filme nos círculos começa a queimar, criando uma massa mofada, ondulante e dominada pela cor laranja. Por fim, a tela inteira é preenchida por um quadro em chamas, que se desintegra em câmera lenta em um foco suave extremamente granulado. Outro fotograma queima, e a tela inteira pulsa com celuloide derretido. Provavelmente, isso foi criado por várias gerações de fotografia fora da tela - seu efeito é fazer com que a própria tela pareça pulsar e arder. A tensão do loop é mantida durante toda essa seção, na qual o próprio filme parece morrer. Depois de um longo tempo, ele se torna uma tela dividida de bolhas de ar na água filmadas por um microscópio com filtros coloridos, uma cor diferente em cada lado da tela. Com as mudanças de foco, as bolhas perdem a forma e se dissolvem umas nas outras, e os quatro filtros mudam. Finalmente, cerca de quarenta minutos após o primeiro loop, a tela fica branca. O filme termina.
Estruturalmente, temos a abstração gradual de uma imagem (originalmente enfatizada pela reprodução em loop) por meio da queima e da refotografia em câmera lenta na tela. As imagens finais de bolhas de ar são extensões metafóricas do processo de abstração. A obra inteira está aberta à interpretação sugerida pelo título, da busca da luz pura das ”tolices“ da vida cotidiana. O espectador passa a ver não as imagens da terra, a garota em sua flotilha, mas as cores e os tons da própria luz em uma cadeia de purificação.
Em seu último trabalho, The Film that Rises to the Surface of Clarified Butter (1968), Landow amplia o princípio estrutural do loop em um ciclo de visões. Aqui, assistimos, em preto e branco, à cabeça de um animador trabalhando, ele desenha uma linha, faz um corpo; depois, anima uma forma humanoide grotesca. Em negativo, uma garota aponta para o desenho e bate nele com um lápis. Essa sequência de planos — as costas do animador, a animação, a garota em negativo olhando para ela — ocorre três vezes, porém não com exatidão, pois às vezes há mais material em negativo em um ciclo do que em outro. Em seguida, observamos (outro?) animador, dessa vez de frente; ele está criando um monstro semelhante, ele o anima. Esta é a ação do filme. Um som de lamento vindo do Tibete acompanha o filme inteiro. O título também é oriental: Landow leu sobre “o filme que sobe à superfície da manteiga clarificada” nos Upanishads.
A ontologia explícita do filme, baseada na distinção entre a modalidade gráfica (os monstros), bidimensional, e o naturalismo fotográfico (os animadores, até mesmo a caneta repousando ao lado dos monstros enquanto eles se movem na ilusão cinematográfica), como metáfora da própria relação do cinema (um campo bidimensional de ilusão) com a atualidade, é uma percepção clássica, implícita desde o início da animação e tornada explícita inúmeras vezes antes. No entanto, que filme foi construído apenas com base nessa metáfora? Não me lembro de nenhum outro. A genialidade de Landow não está em sua abordagem intelectual (ainda que ele esteja entre os cineastas mais inteligentes do país), que é simples, ou seja, as variações sobre o anunciar e o olhar (Fleming Faloon), o interesse visual extrínseco em um quadro cinematográfico (Film in Which There Appear Sprocket Holes, Edge Lettering, Dirt Particles, etc.), uma meditação sobre a luz pura presa em uma imagem ridícula (Bardo Follies), e o eco de uma ilusão (Film That Rises to the Surface of Clarified Butter); sua notável capacidade é como criador de imagens; pois os simples objetos encontrados (Film in Which; início de Bardo Follies) que ele utiliza e as imagens que fotografa estão entre as mais radicais, super-reais e assombrosas que o cinema já nos deu. Sem esse senso de imagem, todos os seus filmes teriam fracassado — como acontece com alguns de seus primeiros trabalhos em 8mm. Devido a esse gênio visual peculiar, seu trabalho é o mais consistentemente pertinente, em um nível espiritual, de todos os cineastas considerados aqui (exceto, é claro, Brakhage e Markopoulos, cujos trabalhos são realmente tangenciais aos temas deste artigo).
A ocorrência de um filme estrutural entre as obras de Gregory Markopoulos é, no mínimo, uma surpresa. Sua contribuição mais notável para a linguagem do cinema foi o uso de flashes de um único quadro na narrativa cinematográfica. Mas o objetivo dessa imagem veloz, que ele confirma em seus escritos, era a elaboração de formas mais complexas, uma articulação de simultaneidade. Robert Breer talvez tenha sido o verdadeiro pioneiro da sequência cinematográfica de um único quadro (embora, é claro, Eisenstein, Vertov e até mesmo Griffith tenham usado flashes rápidos no passado) e, remotamente, o precursor do filme estrutural, certamente muito antes de Kubelka ou Warhol. Sua velocidade de imagem tem efeito totalmente oposto ao de Markopoulos, e sua sensibilidade seria rotulada mais precisamente como “cinética”, juntamente com Len Lye, seu único igual.
De passagem, podemos notar que Breer também criou seu filme mais estrutural e certamente mais minimalista nos últimos dois anos. Trata-se de 66, uma animação de formas de cores primárias que interrompe a rigidez da forma da imagem anterior. O filme ainda é um resultado natural demais do processo e da carreira de Breer para ser considerado um desvio incomum em direção ao estrutural.
Voltando a Markopoulos, o que é interessante em Gammelion é que ele assume a forma de um flicker film e continua sendo uma narrativa. Talvez mil vezes, a tela se torna branca e se apaga novamente, criando a impressão de um grande olho piscando. Às vezes, os fades in e out são coloridos, às vezes não. Passados os primeiros minutos dessas piscadelas lentas, uma única imagem é injetada no filme; um pouco mais tarde, há mais, talvez quatro ou cinco quadros. Até o final, Gammelion evolui como começou, uma narrativa mínima em uma matriz estrutural.
Por muitos anos, Markopoulos quis filmar The Castle of Argol, de Julian Gracq, e escolheu Rocca Sinibalda, de Caresse Crosby, como cenário. Em 1963, li um roteiro de filme de cerca de 400 páginas que seguia de perto o romance. Isso aconteceu quando Markopoulos estava editando Twice A Man. O projeto foi adiado para a realização de The Illiac Passion e nunca foi retomado na forma original. No entanto, quando Markopoulos se viu na Itália em 1967 e com dinheiro suficiente para comprar cerca de dois rolos de filme colorido de três minutos cada um, ele foi para Rocca Sinibalda e filmou. Ele filmou a entrada do castelo, os corredores, alguns cômodos, a bandeira (que é um sol negro), um casal nu no afresco, uma mancha de sangue no caminho. Esses são os elementos de sua narrativa, juntamente com o som de um cavalo trotando, alguma música romântica (Wagner, creio eu) e as seguintes linhas de Rilke: “Ser amado é consumir-se na chama. Amar é luzir com uma luz inesgotável. Ser amado é passar; amar é durar”.[7] Os detalhes da experiência de filmagem podem ser encontrados na Film Culture No. 46, onde Markopoulos escreveu “Correspondences of Smells and Visuals”, o mais revelador de todos os artigos que li dele.
Quando nos sentamos diante de Gammelion, vemos a tela piscando. Os flashes são interrupções da estrutura, como se a narrativa implantada estivesse ocorrendo em outro lugar completamente diferente. Dentro dos termos do trabalho anterior de Markopoulos, a técnica de fading in e out pode ser interpretada como um distanciamento psicológico ou fraseado das imagens como em uma memória remota. Há alguns anos, ele começou a empregar o fade como um dispositivo formal em Eros o Basileus (1967), onde ele sincopa o ritmo dos longos painéis eróticos. Em sua essência, esse filme se aproxima de Gammelion, embora, em termos mecânicos, pareçam tão opostos, sendo o primeiro composto pelos planos mais longos que Markopoulos já fez e o último composto apenas por flashes. A diferença crucial da forma nos interessa aqui; pois Eros o Basileus é um filme serial, e Gammelion é estrutural.
Ao fazer The Flicker (1965), Tony Conrad trouxe uma nova clareza ao Arnulf Rainer de Kubelka, que ele não havia visto. Os dois filmes são montagens de trechos de película preta e branca; o de Kubelka é melódico e clássico, com explosões de fraseado, pausas e explosões; o som, o ruído branco e o silêncio são igualmente sinfônicos, às vezes sincronizados com a imagem, mais frequentemente síncopes; Conrad construiu um longo crescendo-diminuendo (The Flicker é quatro vezes mais longo que Arnulf Rainer) com uma única explosão de zumbido estereofônico para a trilha sonora.
A Film Culture publicou uma série de artigos de e sobre Conrad em 1966 (nº 41). Aqui se encontra a expressão mais articulada da consciência da forma estrutural de qualquer registro publicado dos cineastas envolvidos. Em uma carta a Henry Romney, ele escreveu:
Uma palavra sobre o estilo estático e seu lugar na arte, já que acabei de insinuar uma inclinação nessa direção. O estático parece ser visto com certa desconfiança na era do rock'n'roll; embora seja uma dimensão fundamental de toda obra criativa, facilmente é rotulado como exotismo ou como algo “muito fora” dos padrões. Naturalmente, essa imagem já faz parte do quadro justamente por isso, mas não sinto que o estilo estático possa se sustentar por muito tempo apenas com base nessas qualidades como algo em si. Como outras coisas "novas", ele precisa se incorporar como uma ferramenta dentro de um fluxo contínuo de criação artística. Entre os representantes atuais desse estilo, busquei há muito tempo La Monte Young, e sinto que nossa longa colaboração se mostrou de uma fertilidade sem precedentes, como um desenvolvimento contínuo e em evolução. Por outro lado, nunca consegui me livrar da suspeita de que os filmes estáticos de Andy Warhol, por exemplo, são irremediavelmente oportunistas e basicamente desprovidos do interesse intrínseco ou da novidade que considero ser o verdadeiro desafio do trabalho estático."
Aqui, Conrad confunde a qualidade da maioria dos filmes estruturais “estáticos” com a forma e, portanto, inclui o trabalho de Warhol nessa classificação. Como já expliquei anteriormente, a forma de Warhol é algo bem diferente, o que se torna cada vez mais evidente à medida que ele faz mais filmes. No entanto, o uso da palavra “estático” é um guia útil para a diferença entre The Flicker, de Conrad, e Arnulf Rainer, de Kubelka, e, por extensão, uma definição da imagem no cinema estrutural.
O filme estrutural é estático porque não é modulado internamente por preocupações evolutivas. Em suma, não há clímax nesses filmes. Eles são objetos visuais ou audiovisuais cuja característica mais marcante é sua forma abrangente.
O segundo filme de Conrad, The Eye of Count Flickerstein, inicia-se com uma breve paródia de Drácula, na qual a câmera se move até o olho do conde; depois, até o final do filme, vemos um enxame fervilhante de imagens bastante semelhantes, se não feitas a partir da estática em uma tela de televisão quando a estação não está transmitindo. Esteticamente, Count Flickerstein não tem a ambição de The Flicker, mas não deixa de ser interessante do ponto de vista visual.
Tanto Conrad quanto Kubelka trabalharam com a energia primitiva fundamental do princípio do flicker, e é óbvio por que eles usariam o filme em preto e branco para essa tarefa. Paul Sharits fez três flickers coloridos, filmes sensíveis, sem o poder extático de The Flicker ou Arnulf Rainer, mas ele fez mais do que qualquer um de seus predecessores em desenvolver o potencial formal do flicker film.
Ray Gun Virus foi sua primeira tentativa nesse gênero, e é a mais simples. É um respingo de cores. Seu efeito é distanciado, um olhar calmo sobre as modulações de tons de cores que mudam bruscamente. Em essência, Ray Gun Virus é a base para as duas estruturas intrincadas de Sharits, Piece Mandala e N:O:T:H:I:N:G. Em Piece Mandala (1967), ele elabora temas de sexo e autoviolência no âmbitodos flashes de cores. Isso aumenta o poder dramático das cores oscilantes por meio de metáforas e não visualmente. Uma mandala é uma roda de meditação. Literalmente, seu nome deriva da etimologia sânscrita de “um círculo”. O filme começa e termina da mesma forma, com imagens em staccato de relações sexuais, a maioria de posturas de entrada, um pouco de cunilíngua e apalpação dos seios. À medida que o filme avança, os flashes de cores ficam mais longos, as imagens ainda mais isoladas, até que, na metade do trabalho, há a fotografia da cabeça de um jovem; ele está apontando uma arma para seu crânio; pontos animados delineiam o caminho da bala. Em seguida, o filme completa a forma circular; os flashes ficam mais curtos, as imagens amorosas ficam mais animadas. O filme termina como começou, com os títulos piscando: Paz, Guerra.
Antes de assistir a NO:T:H:I:N:G (1968), eu tinha um respeito limitado pela arte de Sharits. Agora vejo os dois filmes discutidos acima apenas como preparativos para seu único filme totalmente desenvolvido. Em NO:T:H:I:N:G, as cores piscantes têm o sentido de espaço-tempo potencial que observamos nas estruturas de imagem fixa de Baillie, Landow, Snow e Markopoulos.
A duração deste filme é muito maior que a dos dois anteriores, cerca de quarenta minutos, e, em uma extensão muito maior, as cores se agrupam em expressões maiores e menores com, por exemplo, um azul claro dominante em um momento e um amarelo dominante em outro. As cores tendem para os tons mais frios. A aspiração final do cinema de Sharits deve ser a síntese da brancura, pois o efeito natural de suas cores vibrantes é uma mistura que sempre tende ao branqueamento. Em Ray Gun Virus, o branqueamento me afetou como uma fraqueza, mas em N:O:T:H:I:N:G, as imagens contextuais relacionadas e o som, bem como o título, utilizam o tema da evaporação (que é o inverso da potencialidade, que é o modo de todos os filmes estruturais). Desde o início, a tela exibe grupos de cores; os títulos piscam gradualmente, as letras e as cores separadamente, enquanto o som sugere um código telegráfico, ou dentes batendo, ou o clique plástico da mudança repentina de canais de televisão.
O primeiro interlúdio de imagem na cadeia de cores nos mostra uma cadeira animada em positivo e negativo; ela desliza para baixo da tela, para o nada, ou o quase nada das cores que se exterminam mutuamente. O interlúdio é marcado pelo som de um telefone. O remanescente e o corpo principal do filme são continuamente interrompidos por curtos períodos pela imagem de uma lâmpada, bidimensional como a cadeira diante dela, pingando seu fluido de luz vital. Desde a primeira manifestação dessa imagem até que a última gota do fluido da lâmpada tenha vazado, ouve-se uma série de "beeps" estáticos, cada vez mais espaçados. No final, vemos apenas longas passagens de grupos de cores cujas dominantes estão sincronizadas com os mugidos das vacas.
Em essência, existem apenas três flicker films de importância: Arnulf Rainer, The Flicker e N:O:T:H:I:N:G. O primeiro é o mais dinâmico e inventivo. O segundo é uma esplêndida extensão (quem entre os que conheciam o filme de Kubelka teria pensado ser possível?) para a área do cinema meditativo. Em termos dos temas que discutimos aqui, é N:O:T:H:I:N:G, de Sharits, que abre o campo para o filme estrutural com base no flicker. Em todos os casos, mesmo o uso abertamente psicodélico do flicker por John Cavanaugh em The Dragon’s Claw (1967), o emprego da cor diminuiu o impacto apocalíptico básico do flicker. Sharits soube tirar proveito disso. Seu filme mais recente constrói onda após onda de cores, cada uma modulada pela menor frequência do espectro, como um contexto de minimalização para suas imagens.
PÓS-ESCRITO
A distinção entre os filmes “Fluxus” de que Maciunas fala em sua refutação à primeira impressão deste artigo e os filmes sobre os quais escrevi é sutil, porque não se trata de uma questão de definição, mas de grau. Se pensarmos nos filmes estruturais como proposições cinematográficas em uma forma rigorosamente ordenada, os filmes “Fluxus” seriam tautologias. Por exemplo, Disappearing Music for Face, de Chieko Shiomi, apresenta o final de um sorriso filmado com uma câmera de altíssima velocidade, de modo que os músculos relaxam em um período de doze minutos; No. 4, de Yoko Ono, apresenta um traseiro nu andando após o outro, sem nenhuma profundidade de espaço (eles estavam andando em uma esteira); e End After 9, de Maciunas, é simplesmente um trecho acadêmico de 1 a 9 seguido por um título, “End”.
Recentemente, vários escultores renomados começaram a fazer filmes no meio do caminho entre as obras subversivas do “Fluxus” e os filmes estruturais complexos. Há os filmes de Richard Serra sobre várias manipulações de mãos (pegar, desamarrar, ficar em cima delas) e seu filme sobre a medição do tamanho do quadro do filme a uma determinada distância da câmera (que eu não vi) e os filmes de Bruce Nauman sobre handebol, tocar violino e um loop de uma boca que repete a expressão “lip synch”. O novo filme mais interessante de um não-cineasta nessa área foi um trabalho de duas telas sem título de Robert Morris, que compartilha uma dialética de amplas visões/detalhes com Tom Tom, The Piper's Son, de Jacobs. Em uma tela, Morris tem uma visão de grande angular de um posto de gasolina no sul da Califórnia, com casas ao fundo e o oceano atrás delas. O plano é fixo e ininterrupto por cerca de quarenta minutos. Na tela adjacente, ele exibe a mesma cena a partir da mesma posição de câmera, filmada simultaneamente, com uma lente de zoom que capta detalhes e os segue.
Morris quer as duas imagens projetadas por máquinas sincronizadas. Na noite em que assisti ao filme, elas estavam ligeiramente fora de fase, de modo que os detalhes às vezes precediam e às vezes seguiam a visão geral. Além disso, a câmera com zoom ocasionalmente ultrapassava as bordas da imagem estática. Para mim, tanto os assincronismos espaciais quanto temporais enriqueceram a experiência do filme. Assim como o filme de Jacobs, o de Morris tem um envolvimento sensual (implícito em seu princípio comum, que é o da crítica à história da arte), o que as obras "Fluxus" rejeitam.
O caso mais crítico da ambiguidade da definição do filme estrutural surge da análise do trabalho de Hollis Frampton, um jovem cineasta que produziu cerca de dezesseis filmes nos últimos três anos, todos eles relacionados às nossas considerações aqui. Seu último filme, Artificial Light (1969), resume, em suas variações, muitas das preocupações de seus trabalhos anteriores. Frampton é o raro exemplo de cineasta intelectual, talvez o primeiro desde Sidney Peterson. (Isso não é para denegrir o intelecto de muitos cineastas inteligentes. Estou distinguindo a inteligência do compromisso específico com formulações abstratas caracterizado pelo epíteto “intelectual”). Por causa de sua consciência crítica da função de seu próprio trabalho dentro dos contextos da história do cinema e da arte modernista, ele fez filmes que são especialmente difíceis de categorizar, que certamente é um mérito seu.
Os retratos individuais seguem-se uns aos outros com uma suavidade quase acadêmica em dissoluções sobrepostas, terminando em duas tomadas do grupo inteiro, seguidas por uma tomada em dolly que avança até uma imagem da lua. No esboço sinótico a seguir, toda essa frase, que dura cerca de um minuto em preto e branco, será chamada de A:
Artificial Light
1. A, de cabeça para baixo e invertido.
2. A, em negativo.
3. A, com superposição de perfurações.
4. A, com os olhos pintados de azul e as bocas de vermelho.
5. A, marcada com uma cicatriz de respingo branco.
6. A, coberta por listras transparentes de vermelho e verde.
7. Fotografias estáticas em sequência de A; um efeito estroboscópico ou de flicker.
8. A, quase obliterado por arranhões.
9. Cenas de A, tingidas com cores diferentes por corante, em ordem não sequencial.
10. A, com rostos e cabelos contornados por arranhões; dissoluções marcadas com um risco arranhado (/).
11. A, manchado com gotas multicoloridas.
12. Superposição de A com uma cópia de A em que esquerda e direita estão invertidas.
13. A, com todos os rostos branqueados.
14. A, com um flicker de cores (vermelho, verde, azul).
15. A, coberto com pontos de impressão do tipo "artístico".
16. A, tingido em sépia.
17. A, sobreposto a si mesmo com um atraso de um segundo e meio.
18. A, interrompido por dois quadros de flashes em negativo colorido.
19. A, colorido, como que por um processo elétrico, em uma série de dois tons primários.
20. A, com um close de uma cratera lunar substituindo as esperadas imagens da lua.
Deve ser óbvio, pelo esboço, que a frase fílmica funciona como uma linha de tons na música dodecafônica e na composição serial. Frampton fez duas manipulações muito interessantes da experiência dessa frase. Em primeiro lugar, ao abrir o filme com uma sequência de invertida e de cabeça para baixo, ele desloca o espectador por várias repetições; gradualmente, percebe-se que há uma ordem ou direção fixa. Essa progressão é rigidamente fixada no primeiro terço do filme. A nona variação nos choca violentamente com sua desordem elíptica. O restante do filme segue logicamente até a última tomada, que tem uma sensação de finalização tanto por sua variação quanto por ser mantida na tela por mais tempo.
Assisti a esse filme na companhia de dois amigos, um cineasta e um filósofo da arte, que levantaram primeiro a relevância de Stan Brakhage para esse filme (pois Brakhage trabalhou com repetições e variações em uma ordem serial mais do que qualquer outro cineasta em seu épico The Art of Vision [1960-65]) e depois a questão da adequação ou inadequação do material de Frampton para o tratamento serial. Há um abismo entre a frase A e suas inflexões formais. Esse abismo é tanto intelectual quanto formal. Frampton adora uma hipótese ultrajante; seus filmes, todos eles, assumem a forma de fórmulas lógicas. Geralmente, a lógica que ele invoca é a do paradoxo — uma tendência modernista que encontra seu apogeu literário nas histórias de Jorge Luis Borges. Em uma palestra recente no The Millennium, em Nova York, Frampton levantou a hipótese de uma alternativa atemporal para a história do cinema, ilustrada por uma sequência de seus trabalhos. Com Artificial Light, que não foi concluído a tempo para essa palestra, ele desafia a mais nova fase histórica do cinema formal, o filme estrutural.
Film Culture Reader, por P. Adams. Sitney. pp. 326-348. Transcrito e traduzido do inglês para o português por Giovanni Silveira.
NOTAS DO TRADUTOR:
[1] Film Culture n° 47, Verão, 1969; Revisado, Inverno, 1969
[2] O termo "flicker" poucas vezes será traduzido para "cintilar", na possível tradução literal. Tomando para melhor entendimento, permanência dos termos e, por vezes, a escolhar de outras palavras por contexto.
[3] Parece haver um equívoco de Sitney, visto que o filme a qual ele se refere como Moments é, acredito, Morning.
[4] Staccato, emprestado da música, sugere que os movimentos de zoom ocorrem de forma abrupta, descontínua, com pausas entre eles, em vez de serem suaves e fluidos.
[5] P. Adams. Sitney: Posteriormente, fiquei sabendo que, na verdade, não se tratava de um loop, e sim de vários veleiros diferentes em sequência.
[6] Há um agrupamento de montanhas no Colorado apelidadas de "Rockies", uma montanha singular desta área é uma "Rockie", algo como, traduzindo, "Rochosa".
Alguns comentários de Georges Maciunas sobre Filme Estrutural, de P. Adams Sitney, na Film Culture No. 47 (1969):
"Ouvimos falar sobre 3 VAZIOS e 3 NADAS (resposta dos aldeões vietnamitas), 3 SANTOS, 3 VERDADES, etc. E agora P. Adams Sitney contribuiu com 3 ERROS: (terminologia incorreta, exemplos de cronologia incorretos e fontes de origem incorretos)."
Imagem traduzida por Ana Carvalho, retirada do livro Cinema Estrutural (Caixa Cultural, Rio de Janeiro, 2015)
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